Recentemente estamos vendo grandes produções dando prejuízo na bilheteria mundial, mas o que explica isso? Como era antes? O cinema está morrendo? Quais as consequências e como tentar remediar? Vou divagar sobre essas questões que sondam minha mente, trazer dados e tentar respondê-las ao mesmo tempo que faço previsões de bilheterias.
Antes da pandemia de COVID-19 o cinema estava numa posição muito confortável, justamente por causa da Disney/ Marvel Studios, que atualmente ocupam 7 lugares do top 10 maiores bilheterias de todos os tempos (8 se você contar a colaboração da Marvel e Sony em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, 2021), isso é MUITO dinheiro, ainda mais quando lembramos que 4 entre os 5 que fizeram mais de US$ 2 bilhões também são da Disney/ Marvel, porém agora os estúdios vêm perdendo a sua relevância, claro que eles ainda fazem muito dinheiro, mas eles pagavam as contas da indústria toda, sendo assim a Disney está querendo jogar no seguro (continuar franquias já estabelecidas [to falando de você mesmo Toy Story 5]) e a Marvel está sofrendo uma fadiga desde Ultimato, com um último gigantesco respiro com Homem-Aranha, logo as coisas estão começando a dar prejuízo milionários.
O que explica isso? Eu diria que a saturação do gênero de super-herói e o crescimento do público-alvo, junto a cultura do streaming agravada ainda mais pela pandemia que gerou a famosa frase: “quando sair no streaming eu vejo.”
O público que cresceu vendo as produções da Marvel não querem mais ver algo infantil, e ao mesmo tempo acredito ser difícil vender a Marvel para um novo fã, são 44 produções no total (33 filmes e 11 séries) pra quem começar a ver agora, é muito conteúdo com um hype impossível de replicar. Já do lado da Disney, apostar na nostalgia ou em novas possibilidades com roteiros fracos juntamente aos lançamentos diretos no Disney+ prejudicaram muito a marca.
Vale lembrar que antes da pandemia a janela de lançamento de um filme no cinema era muito maior, demorava cerca de uns 3 meses ou muito mais para um filme chegar no VOD (Video On Demand -> Vídeo sob Demanda -> Pra alugar), para algum streaming o tempo era ainda maior, atualmente essa janela tem uma média de 30 a 40 dias e sejamos sinceros, para alguém que não está muito interessado em um filme, é tranquilo esperar isso ou ainda muito mais para ver depois.
Um caso interessante que tivemos na pandemia foi o HBO MAX (Atual MAX) que decidiu lançar os filmes simultaneamente no cinema e no streaming (um erro acredito eu, mas eles queriam aumentar o número de assinantes). Outro caso foi o Diseny+ que criou aquela opção de “Premier Access” onde alguns filmes em cartaz nos cinemas também estavam disponíveis na plataforma, mas você tinha que alugar por uns 70 reais, se não me engano.
Toda essa questão de streaming X exclusividade condiz com o mercado, mas gerou algumas tretas dos realizadores, como a Scarlett Johansson e a Emma Stone brigando com a Disney pelos filmes Viuva Negra (2021) e Cruella (2021) respectivamente, justamente pelas questões contratuais focadas no cinema, não no streaming, logo sim, a Disney ou a plataforma ganha muito mais dinheiro quando ela cobra pra você assistir algo isoladamente porque o dinheiro vai diretamente pra eles.
Um dos maiores fracassos do ano passado foi Indiana Jones e A Relíquia do Destino, que teve orçamento estimado em US$ 387,2 M (fora o marketing, então já dá pra considerar que gastou o dobro) e arrecadou “apenas” 383,9 M de dólares nos cinemas, dando um prejuízo que nem o VOD ou o streaming puderam recuperar, o mesmo vale para Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania e As Marvels que também são da Disney.
Dois casos recentes que mostram o quanto essa cultura do streaming está prejudicando o cinema são O Dublê (2024) que custou US$ 140 M e arrecadou US$ 104,8 M e Furiosa: Uma Saga Mad Max (2023) que custou US$ 168 M e até o momento faturou US$ 114,3 M, e é uma pena porque ambos são bons filmes e provavelmente vão fazer sucesso quando chegarem no streaming, mas vão dar prejuízo de qualquer forma.
Lembrando que ao mesmo tempo que tudo isso acontece a gente ainda tem a pirataria, que apesar de ter diminuído com os streamings e criado uma geração que predominantemente não sabe baixar ou onde consumir de forma ilegal, ela ainda existe e é forte, ainda mais com mais de 10 streamings disponíveis, não dá pra assinar todos.
Recentemente temos visto que essa conta de custo de produção X rendimento nas bilheterias não está conseguindo se pagar para muitos filmes, acredito que o máximo que um filme grande deva custar é 100 Milhões USD, pois normalmente considera que ele gaste seu valor original em marketing e quando ele passa nos cinemas, uma parte fica para os donos do estabelecimento, logo o filme tem que fazer o dobro pra começar a realmente dar lucro.
Acredito que vale a pena citar o discurso mais do que certeiro do diretor e roteirista Cord Jefferson que levou Oscar de melhor roteiro adaptado por Ficção Americana (2023), ele disse “Eu entendo que Hollywood é uma indústria avessa ao risco, mas filmes de US$ 200 milhões também são um risco. Mas você corre o risco de qualquer maneira. Em vez de fazer um filme de US$ 200 milhões, faça 20 filmes de US$ 10 milhões ou 50 filmes de US$ 4 milhões. Quero que outras pessoas experimentem essa alegria. O próximo Martin Scorsese está lá fora. A próxima Greta [Gerwig] está por aí. O próximo Christopher Nolan está por aí. Eles só querem uma chance. E podemos dar essa chance.”
Vale ressaltar que em 2024 alguns filmes conseguiram dar muito lucro, como por exemplo Kung Fu Panda 4 (que custou US$ 85 M e fez US$ 533,4 M), Godzilla e Kong: Novo Império (que custou US$ 150 e fez US$ 570 M) e Duna – Parte 2 (que custou US$ 190 M e faturou mais de US$ 700 M), o filme se manteve no topo por meses e até o diretor Denis Villeneuve disse “Eu estou desapontado que ainda sou o número um. Espero que em breve existam outros grandes sucessos na bilheteria.” Finalmente isso aconteceu com a estreia de Divertida Mente 2 que custou US$ 200 milhões e até o momento já faturou US$ 724,4 M.
Gostaria de citar um gráfico do The Numbers sobre a bilheteria americana nos últimos anos:

Fonte: The Numbers
Dá pra ver que a linha estava se mantendo bem e teve seu ápice em 2018, provavelmente devido ao Vingadores: Ultimato e obviamente teve uma queda devido a pandemia, mas ainda não está como estava antes, ou seja, o cinema perdeu e vem perdendo muita força.
Um termo interessante que surgiu foi “Filmes evento”, blockbusters que conseguem atrair um grande público por ser algo diferente, exemplos: Vingadores Ultimato, Homem-Aranha e Barbenheimer (Barbie, 2023 e Oppenheimer, 2023), filmes que através de um marketing bem feito e muita mídia orgânica, geraram enormes sucessos de bilheteria. Diga se de passagem, aposto que os próximos grandes sucessos depois de Divertida Mente 2 serão Coringa 2 e Deadpool & Wolverine, pra mim os únicos filmes que podem fazer 1 bilhão de bilheteria que coincidentemente são continuações de propriedades intelectuais já estabelecidas.
O cinema de fato não morreu, ele perdeu muita força, mas ainda não vai deixar de existir, talvez ele vire um luxo ou talvez as plataformas de streaming acabem roubando ainda mais espaço e venham a diminuir as salas de cinema ao redor do mundo que nem as livrarias físicas X compra online, mas não dá pra fazer todos os filmes serem um evento então é necessário se reinventar de alguma forma que eu também não sei, porém por enquanto sigo acreditando que o ideal seja focar em filmes mais baratos e com ótimos roteiros.
Isso é tudo pe-pe-pessoal, obrigado por ler e até a próxima!